A reação do mercado financeiro perante crises.

Qual a relação entre a crise do subprime e a do COVID-19?

Existem alguns sintomas semelhantes entre as recessões como a queda significativa do PIB real, do emprego e da produção. Apesar desses fatores em comum durante períodos turbulentos, antes da recessão antecede-se uma crise que pode iniciar tanto na economia real quanto na economia financeira.

A crise do subprime é o exemplo de uma crise que iniciou na economia financeira. A bolha financeira começou quando o Federal National Mortgage e o Federal Home Loan Mortgage Corporation elaboraram o derivativo financeiro Mortgage-Backed securities (MBS), instrumento cujo valor esta atrelado em várias hipotecas de risco semelhante. Esse instrumento é utilizado até hoje, inclusive o FED realiza política monetária com ele, o problema surgiu quando os bancos resolveram utilizar “pedaços” desses MBS, misturando hipotecas de baixo risco com os empréstimos imobiliários de mau devedores (subprime mortgage), de forma a oferecer um seguro em caso de inadimplência. Esses seguros são chamados de credit default swap (CDS).

Esse tipo de investimento parecia seguro durante os primeiros anos e era cabível à maioria dos investidores pela possibilidade dos bancos em modelar os MBS como bem desejassem, o produto teve vasta popularidade entre os hedge fund traders por conta da alta demanda. Em meados de 2006 o preço das casas começaram a decair, os hipotecantes depararam-se com taxas de juros exorbitantes e eles não conseguiam vender a propriedade porque a dívida superava o valor da mesma. Já os investidores que possuiam esse MBS perceberam a perda de valor e acionaram o CDS e, por conta da alta alavancagem nesse derivativo, a seguradora AIG quase veio a falência. Bancos como Lehman Brothers, Washington Mutual, CIT Group e várias empresas decretaram falência. A recessão não ficou isolada no Estados Unidos, o mundo inteiro negociava os MBS emitido por esses bancos e a consequencia foi uma recessão mundial com altos níveis de desemprego, uma queda abrupta do PIB e uma remodelação de todo o sistema financeiro.

O mercado de equity sofreu grande oscilação nas bolsas do mundo inteiro. A crise estorou em setembro de 2008 e o Ibovespa sofreu uma desvalorização significativamente maior em relação ao S&P somente no mês de outubro, apesar de recuperar-se mais rápido.

Índices de Ações - Fonte: Yahoo Finance

De certa forma, o cenário de crise estava antecipado quando a curva de juros americana inverteu em 2006 - fenomeno atípico, pois os investidores exigem maiores retorno no curto prazo por observarem risco eminente - mesmo com o FED aumentando as taxas de juros desde 2004 na tentativa de romper a bolha imobiliária. Veja que o gráfico a seguir demonstra que os títulos americanos de curto prazo oferecem rentabilidades maiores antes da crise eclodir e, quando ela ocorre, os títulos de longo prazo disparam. Esse fenomeno acontece também durante a crise atual.

Treasury Americano - Fonte: FRED

Apesar dos sintomas de recessão serem os mesmos, é importante distinguir o que diferencia ambas as crises. A crise do Covid-19 se inicia na economia real quando produção de proteina da China reduziu por conta da gripe suína africana em dezembro de 2019, ocasionando aumento de preço da proteína por conta da alta demanda. O primeiro caso do coronavírus foi identificado no mesmo mês e só tomou a proporção epidêmica no final de janeiro de 2020, fato que alertou o mundo inteiro sobre o potêncial de propagação. Atualmente, a crise que enfrentamos provém do distanciamento social, fator que provoca queda na cadeia produtiva global, restrições de movimentação e acesso através do fechamento de locais públicos. A consequência do forte impacto sobre serviços e da inatividade do setor produtivo fazem os agentes econômicos correrem por líquidez como forma de se precaverem da incerteza de quanto tempo durará esse lock down. Inclusive, parte da queda na bolsa pode ser explicada por conta dessa corrida por líquidez, o Brasil foi o país mais afetado e já registra a perda de R$ 1,6 trilhão.

Índices de Ações - Fonte: Yahoo Finance

Vale denotar que o Brasil tem desempenhado esses resultados nas crises por ser um país emergente e é comum que haja saída de capitais para ativos de maior segurança, como os treasuries americanos. Veja que a curva de juros brasileira teve um aumento de 120 p.b na parte longa da curva e uma redução de 78 p.b na parte curta durante o início desse ano até o começo de abril. No mês de março a curva disparou na parte longa por conta das expectativas e teve uma redução considerável após o pronunciamento do banco central sobre a liberação de R$ 1,2 trilhões na economia, já na parte curta da curva as quedas ocorreram pela sequência de cortes na taxa SELIC. É importante que o país mostre celeridade tanto na política monetária quanto na política fiscal para que a curva mantenha-se estável, se a volatilidade na curva continuar alta isso pode dificultar os empréstimos de longo prazo às empresas e parte dos recursos do banco central sofrerão risco de empoçamento.

Curva de Juros - Fonte: ANBIMA

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